sexta-feira, 20 de junho de 2008



20 DE JUNHO DE 2008 - 11h33



Reflexões de Fidel Castro: A formiga e o elefante


O ex-presidente cubano Fidel Castro, em seu mais recente artigo, destacou o desenvolvimento em Cuba de um forte espírito internacionalista desde os primeiros anos da Revolução. No artigo intitulado 'A formiga e o elefante', publicado na última quinta-feira (19) jornal Granma, Fidel conta que tal espírito "teve suas raízes no numeroso contingente de cubanos que participou da luta antifascista do povo espanhol e fez suas as melhores tradições do movimento operário mundial".
"Não costumamos divulgar nossa cooperação com outros povos, ainda que também não haveria forma de impedir que a imprensa fale às vezes da mesma. Está motivada em sentimentos profundos que em nada se relacionam com a publicidade", destaca.
"Alguns se perguntarão como é possível que um país pequeno com poucos recursos possa levar adiante uma tarefa dessa magnitude em campos tão decisivos como a educação e a saúde, sem os quais não é concebível a sociedade atual", acrescenta.
Leia abaixo a íntegra do artigo:
"Acho que não existe tema que valha a pena comentar sem cansar aos pacientes leitores depois da Mesa Redonda de 12 de junho, que divulgou a nova edição de um livro publicado na Bolívia há 15 anos, desta vez com um prólogo meu. Leu-se nesse programa uma introdução elaborada posteriormente pelo presidente Evo Morales e uma mensagem da prestigiosa escritora argentina Stella Calloni, que serão incluídas em uma próxima edição. Selecionei cuidadosamente os dados que utilizei nesse prólogo.
Desde os primeiros anos da Revolução Cubana desenvolveu-se um forte espírito internacionalista, que teve suas raízes no numeroso contingente de cubanos que participou na luta antifascista do povo espanhol e fez suas as melhores tradições do movimento operário mundial.
Não costumamos divulgar nossa cooperação com outros povos, ainda que também não haveria forma de impedir que a imprensa fale às vezes da mesma. Está motivada em sentimentos profundos que em nada se relacionam com a publicidade.
Alguns se perguntarão como é possível que um país pequeno com poucos recursos possa levar adiante uma tarefa dessa magnitude em campos tão decisivos como a educação e a saúde, sem os quais não é concebível a sociedade atual.
O ser humano criou os bens e serviços indispensáveis desde que vive em sociedade, e esta se desenvolveu a partir das formas mais elementares até as mais avançadas ao longo de muitos milhares de anos.
A exploração do homem pelo homem foi inseparável companheira desse desenvolvimento, como todos sabem ou devemos saber.
As diferenças no modo de perceber essa realidade sempre dependeram do lugar que cada um ocupou na sociedade. Via-se como algo natural e a imensa maioria não tomou nunca consciência disto.
Em pleno auge do capitalismo na Inglaterra, que ia à vanguarda com os Estados Unidos e outros países da Europa, no mundo dominado já pelo colonialismo e o expansionismo, um grande pensador e estudioso da história e a economia, Karl Marx, partindo das idéias dos mais prestigiosos filósofos e economistas alemães e ingleses da época — entre eles Hegel, Adam Smith e David Ricardo, com os quais discordou —, elaborou, escreveu e publicou suas idéias sobre as relações de produção e troca no capitalismo no ano 1859 sob o título Contribuição à Crítica da Economia Política.
Em 1867, continuou divulgando seu pensamento com o primeiro capítulo de sua destacada obra, que o fez famoso: O Capital. A maior parte de seu extenso livro, a partir de notas e anotações suas, foi editado por Engels, que compartilhava suas idéias e como um profeta divulgou sua obra após a morte de Marx, em 1883.

O publicado pelo próprio Marx constitui a análise mais séria jamais escrita sobre a sociedade de classes e a exploração do homem pelo homem. Nasceu assim o marxismo, que foi o fundamento dos partidos e movimentos revolucionários que proclamavam o socialismo como objetivo, entre os que se contavam quase todos os partidos social-democratas que, ao estalar a Primeira Guerra Mundial, traíram a consigna hasteada por Marx e Engels no Manifesto comunista, publicado pela primeira vez em 1848: "Proletários de todos os países, uni-vos!".
Uma das verdades que o grande pensador expressava textualmente de forma singela é: "Na produção social de sua vida os homens estabelecem determinadas relações necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma fase determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. Não é a consciência do homem o que determina seu ser, senão pelo contrário, o ser social é o que determina sua consciência. Ao chegar a uma fase determinada de desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade, entram em contradição com as relações de produção existentes... Das formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em suas travas e abre-se assim uma época de revolução social... Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam as forças produtivas que cabem dentro dela e jamais aparecem novas e mais elevadas relações de produção antes que as condições materiais de sua existência tenham amadurecido dentro da própria sociedade antiga."
Eu não poderia explicar com outras palavras esses conceitos claros e precisos emitidos por Marx de tal modo que, com uma elementar explicação de seus professores, até um jovem cubano dos que entraram no último sábado, 14 de junho, na Juventude Comunista possa compreender sua essência.
Sobre o desenvolvimento concreto da luta de classes, Marx escreveu "A luta de classes na França de 1848 a 1850" e O "18 Brumário de Luis Bonaparte", duas excelentes análises históricas que deleitam qualquer leitor. Era um verdadeiro gênio.
Lênin, continuador profundo do pensamento dialético e das investigações de Marx, escreveu duas obras fundamentais: O Estado e a revolução e O imperialismo, fase superior do capitalismo. As idéias de Marx, postas em prática real por ele com a Revolução de Outubro, foram igualmente desenvolvidas por Mao Tse Tung e outros líderes revolucionários no Terceiro Mundo. Sem elas a Revolução Cubana também não teria ocorrido no quintal dos Estados Unidos.
Se o pensamento marxista tivesse circunscrito simplesmente à idéia de que "nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que cabem dentro dela", o teórico do capitalismo Francis Fukuyama teria tido razão ao proclamar que o desaparecimento da URSS era o fim da história e das ideologias e deveria cessar toda resistência ao sistema capitalista de produção.
Na época em que o criador do socialismo científico expôs suas idéias, as forças produtivas estavam por se desenvolver plenamente, a tecnologia não tinha contribuído ainda com as mortíferas armas de destruição em massa, capazes de provocar o extermínio da espécie; não existia o domínio aeroespacial, o desperdício sem limites dos hidrocarbonetos e combustíveis fósseis não renováveis; a mudança climática não era conhecida em uma natureza que parecia infinita ao ser humano, nem se havia apresentado a crise mundial de alimentos para compartilhar com inúmeros motores de combustão e uma população seis vezes superior ao bilhão que habitava o planeta no ano em que nasceu Karl Marx.
A experiência de Cuba socialista acontece quando o domínio imperial se estendeu por toda a Terra.
Ao falar da consciência não me refiro a uma vontade capaz de mudar a realidade senão, pelo contrário, ao conhecimento da realidade objetiva que determina a conduta a seguir.
Dezenas de milhões de pessoas tinham morrido na guerra provocada em meados do século 20 pelo fascismo, que nasceu da entranha antimarxista do capitalismo desenvolvido previsto por Lênin.
Em Cuba, como em outros países do Terceiro Mundo, a luta pela libertação nacional sob a direção das camadas médias e da pequena burguesia, e a que já vinham livrando pelo socialismo os setores mais avançados da classe operária e dos camponeses, somaram-se e potenciaram-se mutuamente. Afloraram igualmente as contradições ideológicas e de classe. Os fatores objetivos e subjetivos variavam consideravelmente em cada processo.
Da última contenda mundial tinham surgido as Nações Unidas e outros organismos internacionais, nos que muitos viram uma nova consciência no planeta. Era um engano.O fascismo, cujo instrumento o próprio Hitler chamou Partido Nacional Socialista, renasceu mais poderoso e ameaçador que nunca.
O império envia e mantém porta-aviões em todos os mares do mundo para intervir militarmente. O que decide a fim de competir com Cuba na região do nosso hemisfério? Enviar um enorme barco transformado em hospital flutuador que trabalha dez dias em cada país. Um número de pessoas pode ser ajudada, mas está bem longe de resolver os problemas de um país; não compensa também o roubo de cérebros nem pode formar os especialistas necessários para prestar verdadeiros serviços médicos em qualquer dia da semana e do ano. Todos os porta-aviões juntos, que agora são instrumentos de intervenção militar nos diversos oceanos da Terra, transformados em hospitais não poderiam prestar esses serviços aos milhões de pessoas que os médicos cubanos atendem em lugares afastados do mundo, onde parem mulheres, nascem crianças e existem doentes que precisam de atenção urgente.
Nosso país demonstrou que pode resistir a todas as pressões e ajudar outros povos.Meditava sobre a magnitude de nossa cooperação não apenas na Bolívia, senão no Haiti, no Caribe, em vários países da América Central e da América do Sul, na África, e até na longínqua Oceania, a 20.000 quilômetros de distância. Recordava igualmente as missões da Brigada Henry Reeve, em casos de graves emergências, viajando em nossos próprios aviões, transportando pessoal e outros recursos.
O milhão de operados gratuitamente da vista a cada ano na América Latina e no Caribe de que falamos, não está longe de ser atingido. Podem os Estados Unidos talvez emular com Cuba?
Utilizaremos a computação não para fabricar armas de destruição em massa e exterminar vidas senão para transmitir conhecimentos a outros povos. Do ponto de vista econômico, o desenvolvimento das inteligências e das consciências de nossos compatriotas, graças à Revolução, permite-nos não apenas cooperar com os povos que mais a necessitam sem custo algum, senão também exportar serviços especializados, incluídos os de saúde, a países com mais recursos que a nossa pátria. Nesse terreno os Estados Unidos não poderiam jamais competir com Cuba.
Nosso pequeno país resistirá. Em poucas palavras: A formiga pôde mais que o elefante!
Fidel Castro Ruz
19h35 de 18 de junho de 2008"

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