quarta-feira, 8 de outubro de 2008

EUA: de ''terra das oportunidades'' à desigualdade crescente

Os EUA já foram a terra das oportunidades. Isto faz muito tempo. No último meio século, a concentração de renda cresceu no país, agravada pelo predomínio neoliberal. Hoje, o índice de Gini, que já foi igual ao dos países da Europa, ficou próximo ao dos chamados emergentes, como o Brasil, a China ou o México

Por José Carlos Ruy
O predomínio neoliberal trouxe prejuízos e desigualdades para o povo e os trabalhadores em todos os países. Inclusive nos Estados Unidos, como mostram dados divulgados na edição de junho do Le Monde Diplomatique por Walter Benn Michaels, professor na Universidade de Illinois, Chicago (EUA), e autor do livro The Trouble with Diversity. How we Learned to Love Identity and Ignore Inequality (Os problemas com a diversidade: como aprender a gostar da identidade e ignorar a desigualdade), de 2006, onde destaca a ênfase neoliberal nas diferenças identitárias (culturais, étnicas e até religiosas, que caracterizam o chamado multiculturalismo) e, junto com ela, a maior tolerância em relação à desigualdade e à disparidade de riqueza e renda.

Ele chama a atenção para o retrocesso que a igualdade sofreu nos EUA nos últimos 60 anos. Em 1947, quando as leis segregacionistas (chamadas Jim Crow, e que separavam radicalmente negros e brancos) estavam no auge no sul do país, o índice de Gini era de 0,376; sessenta anos depois, em 2006, a desigualdade piorou, e o índice chegou a 0,464. O índice de Gini é uma medida de concentração: próximo de zero significa uma distribuição mais igualitária; quanto maior, isto é, mais distante de zero, a concentração é maior. ''É um aumento significativo'', diz Michaels.Em 1947, os EUA estavam em patamar semelhante (embora um pouco mais desigual) que os países da Europa Ocidental; em 2006, ombreava com países emergentes como o México e a China.

Só para comparar: hoje, na França, o índice é de 0,383; na Alemanha, 0,283; na Suécia, 0,250. Na China, em 2004, era de 0,470 (igual ao dos EUA em 2006); no México, no mesmo ano, era de 0,510. No Brasil, quando a marca chegou a 0,503, o fato foi comemorado como uma melhoria histórica na distribuição de renda.

Vista a questão por outro lado, nos EUA, em 1947, os 20% mais ricos da população dos EUA ficavam com 43% da renda anual; em 2006, sua fatia aumentou, e passaram a ficar com 50,5% da renda. Em 2006, após anos de lutas (muitas vezes vitoriosas) contra o racismo, o sexismo e o heterosexismo, diz ele, os ricos ficaram mais ricos.

Lá, apenas 7% das famílias tem renda anual superior a 150.000 dólares; 18% recebem mais de 100.000 ano ano, e o grosso das famílias (mais de 50% do total) ganha menos de 50.000 dólares por ano - cerca de 4.160 por mês (em torno de 8.300 reais), um salário apertado para as condições estadunidenses (*).

No último meio século, a economia dos EUA cresceu muito e a melhoria geral ocultou a desigualdade crescente que, na crise, volta a aparecer com muita clareza. E amplifica o escândalo das indenizações e demais benefícios pagos aos executivos de Wall Street, autores da atual crise. A disparidade foi registrado inclusive em um editorial recente do The New York Times: há três décadas, o salário de um CEO (isto é, dos grandes executivos) era 30 a 40 vezes maior que o de um trabalhador médio. Agora, chega a ser 344 maior! Isto é, um chefão ganha em um dia de especulação quase o que um trabalhador ganha num ano de trabalho! Dá para entender a resistência dos estadunidenses comuns contra a salvação dos banqueiros com dinheiro do governo!

(*) São dados do censo americano, podem ser consultados no endereço eletrônico http://factfinder.census.gov/servlet/STTable?_bm=y&-geo_id=01000US&-qr_n... G00_S1901&-ds_name=ACS_2006_EST_G00_

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