quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Crise mudará regras do jogo capitalista, apontam intelectuais

Em tempos de crise global, podemos vislumbrar a história do mundo se transformar diante dos nossos olhos. Podemos assistir – e quem sabe interferir – num novo jogo, ou pelo menos com novas regras para se jogar. O capitalismo jamais será o mesmo após esta grande crise. Foi esta a idéia que pairou nas conclusões do debate de ontem, dia 18, ocorrido na Associação Campineira de Imprensa.

Barroso, Mazzucchelli e Figueiredo debatem crise.

O evento, intitulado Causas e efeitos da atual crise do sistema capitalista, contou com a presença do professor livre-docente da Unicamp, Frederico Mazzucchelli, e pelo dirigente nacional do PCdoB e diretor da Fundação Maurício Grabois, Sérgio Barroso. A iniciativa partiu da Secretaria de Formação do PCdoB de Campinas, representada pelo professor José Ricardo Figueiredo.

Mazzucchelli, autor de “A contradição em processo: o capitalismo e suas crises” (Unicamp, 2004, 2ª edição), apontou as semelhanças da atual crise que afeta os mercados de todo o mundo – e provoca manchetes pessimistas nos principais jornais do planeta –, com a ocorrida entre 1929-33, quando o mundo foi afetado pela “Grande Depressão” norte-americana. Seu nascedouro foi uma bolha imobiliária no estado norte-americano da Flórida, entre 1926-27, somado à retração econômica na Alemanha, em 1928 do século passado.

Nos anos 20, lembra o professor, os EUA viviam um momento de crescimento vertiginoso, superprodução sem demanda, redução de impostos e créditos descontrolados, especulação financeira, ambiente em que “o mercado ditava todas as regras”. Era o tempo do jazz e dos carros rápidos, em que o presidente Herbert Hoover acreditava piamente que “a miséria iria acabar nos Estados Unidos”. Mas, em 1929, a crise chega, os investidores buscam dinheiro e especulam, desfazem-se de ativos e a renda agrícola cai pela metade. A seguir, os preços dos imóveis e ações despencam tão rápidos como alguns corpos dos investidores, desesperados, do alto dos prédios de Wall Street. Mesmo com o país na lona, Hoover não abandona a crença de que não cabe ao Estado intervir na economia.


Duas saídas - De acordo com os palestrantes, há, em crises deste tipo saídas pela esquerda e pela direita. A crise de 1929 possibilitou que um então obscuro partido nacionalista da Alemanha chegasse ao poder, com Adolf Hittler. O homem que foi responsável pela morte de milhões de pessoas dos países que invadiu, tomou atitudes econômicas visando montar sua gigantesca máquina de guerra. Investiu pesadamente o dinheiro do Estado em infra-estrutura, que gerou crescimento econômico e empregos. Por outro lado, fechou sindicatos assim que tomou posse, em janeiro de 1933. Os alemães precisavam de emprego e não de salário - dizia o ditador nazista.


Já Franklin Delano Roosevelt, eleito presidente dos EUA em março 1933, tenta, no início, manter a receita de corte de gastos públicos, mas muda de idéia e segue o ideário do New Deal. Intervém nos bancos, protege o sistema bancário da especulação - legislação que duraria até os anos 80 -, realiza programa que gera cerca de três milhões de empregos, investe na agricultura, estimula a sindicalização, cria a seguridade social e o salário mínimo. As iniciativas amenizam a crise, mas é a Segunda Guerra Mundial que reergue a economia americana.

Ainda segundo Mazzuchelli, a União Soviética se fortalece com a vitória sobre o nazismo. Os EUA vêem ameaçados seus planos de expansão de influência política e comércio exterior. Nascia das estranhas da Grande Guerra a Guerra Fria, “assim como o nazismo nasceu na depressão”. Nos anos 1970, o que sobrara do New Deal, em termos de regulação da economia, foi extinto e voltou com força idéia de um mercado auto-regulador. Com o neoliberalismo, o mundo passou a viver novas crises.

Capitalismo obsoleto - Sérgio Barroso afirmou que este capitalismo está superado do ponto de vista histórico. “É um sistema obsoleto, não tem nenhuma condição de oferecer sequer vida digna à imensa e esmagadora maioria dos povos do mundo”, afirmou. “É um regime de superexploração dos trabalhadores e toda vez que entra em crise a descarrega sobre os nossos ombros”, atacou. As diversas crises financeiras que se sucedem, após um grande crash em Wall Street em 1987, recorrentemente, ao lado do processo de “financeirização” da riqueza do capitalismo contemporâneo, são fenômenos inerentes a essa dinâmica do capitalismo, ao mesmo tempo real e perversa, disse Barroso. “E é sim, o momento de contrastá-lo com a defesa da sociedade socialista, superior” .

Para Mazzucchelli há indiscutivelmente uma vontade, em todo o mundo, de dar um basta na farra dos financistas. “Acabou o carnaval dos especuladores”, afirma. Atualmente, “passou a ser difícil encontrar um liberal que não esteja envergonhado”. O Estado voltou a intervir na economia, sem que isso cause escândalo. “Outro dia, um ex-presidente do nosso Banco Central, disse em alto som: ‘Keynes é nosso!”. É que – afirma o professor da Unicamp – “desta vez o Estado interviu muito mais rápido do que na crise de 1929. Foi chamado a resolver a crise atual do capitalismo”.

Mas este será apenas um recuo estratégico do neoliberalismo? O dinheiro do povo defendendo o interesse dos barões, para depois voltar tudo o que era antes? De acordo com os palestrantes haverá aumento do desemprego, há recessão nos EUA, na Europa e no Japão, que deve se alastrar; quadro esse que, até o momento, não dá sinais de, necessariamente, entrarmos numa fase de depressão global.

Mas o que história já ensinou demonstra que, em momentos de crise, bem ao contrário do que prega a direita brasileira, é necessário aumentar os gastos públicos na infra-estrutura, gerando empregos. “O Estado deve investir para manter o circuito de crédito, gasto e renda” – destacou Barroso -, para movimentar a economia. Pode-se até socorrer setores, mas com garantias e regulação estatal para evitar os aproveitadores de plantão, e garantir o emprego dos trabalhadores, disse Mazzucchelli. Segundo Barroso, “quem ouvir essa conversa fiada de cortar gastos, pode acusar quem quer que seja de ser contra o país, de defender a recessão profunda aqui e jogar os trabalhadores novamente no desespero”.

No fecho do debate – que teve a colaboração destacada de Fernando Pupo, Secretário de Habitação do município e dirigente estadual do PCdoB –, a idéia de que a história mostra que há saídas das crises que podem levar a soluções temporárias e outras mais conseqüentes. Apesar de soluções serem tomadas em âmbito globais, cada país deve ter a criatividade de resolver problemas internos da melhor maneira. No Brasil, o consenso é que é hora das forças progressistas se unirem em torno de um projeto que impeça que o nosso País volte a ser vítima de crises que adiam nossas esperanças de independência, soberania e desenvolvimento.


Da redação, com Gil Caria, de Campinas