sábado, 2 de abril de 2011

Reflexões de Fidel: O melhor e mais inteligente
Ontem, por razões de tempo e espaço, não disse uma palavra sobre o discurso realizado por Barack Obama na última segunda-feira (28) sobre a guerra na Líbia. Tive acesso a uma cópia da versão oficial, enviada à imprensa pelo governo dos Estados Unidos. Sublinhei algumas das coisas que Obama afirmou. Voltei a lê-lo e cheguei à conclusão de que não valia a pena gastar muito papel com o assunto. Lembrei do que Jimmy Carter me contou sobre o cultivo das florestas nos Estados Unidos quando nos visitou em 2002, já que ele possui uma plantação familiar em Atlanta. Nessa visita, perguntei outra vez sobre o cultivo e ele voltou a explicar que semeia os pinheiros a uma distância de dois a três metros, que equivalem a 1.700 árvores por hectare e crescem ao final de 25 anos. Há muitos anos li no jornal The New York Times, em uma edição de domingo, que o papel extraído do corte consumia 40 hectares da floresta. Explica-se, portanto, minha preocupação com a economia do papel. Desde então, Obama é excelente articulador de palavras e de frases. Poderia ganhar a vida escrevendo historinhas para crianças. Conheço seu estilo porque a primeira coisa que li dele e destaquei, muito antes que assumisse a presidência, foi um livro intitulado “Os sonhos de meu pai”. Fiz com muito respeito e, ao menos, pude apreciar que seu autor sabia escolher a palavra precisa e a frase adequada para ganhar a simpatia dos leitores. Confesso que não me agradou sua tática de suspense, ocultando suas próprias ideias políticas até o final. Fiz um esforço especial para não questionar o último capítulo, o qual opinava sobre diversos problemas, em minha opinião, cruciais neste momento da história humana. Tinha certeza de que a profunda crise econômica, o colossal gasto militar e o sangue jovem derramado por seu antecessor republicano o ajudariam a derrotar seu adversário eleitoral, apesar dos enormes preconceitos raciais da sociedade norte-americana. Por razões óbvias de politicagem tradicional, procurou, antes das eleições, o respaldo dos votos de anticubanos de Miami, em sua maioria dirigidos por pessoas de origem bastistiana e reacionária, que converteram os Estados Unidos em uma república das bananas, onde a fraude eleitoral determinou nada menos que o triunfo de W. Bush em 2000, jogado no lixo um futuro Prêmio Nobel e aspirante à presidência: Al Gore, vice-presidente de Bill Clinton. Um sentido de justiça fundamental teria levado o presidente Obama a retificar as consequências do juízo infame que conduziu o cruel e especialmente injusto encarceramento de cinco patriotas cubanos. Suas mensagens à União, seus discursos no Brasil, Chile e em El Salvador, e a guerra da Otan na Líbia me obrigaram a ressaltar, mais que sua autobiografia, o próprio discurso proferido. Qual a pior parte desse pronunciamento e como explicar as aproximadamente 2.500 palavras que a versão oficial contém? Do ponto de vista interno, a ausência total de realismo coloca seu feliz autor nas mãos de seus piores adversários, os quais desejam humilhá-lo e se vingar de sua vitória eleitoral em novembro de 2008. O castigo a que foram submetidos ao final de 2010 ainda não foi suficiente. Do ponto de vista externo, o mundo tomou mais consciência do que significam, para muitos povos, o Conselho de Segurança, a Otan e o imperialismo ianque. Para ser breve como prometi, explico que Obama começou seu discurso afirmando que desempenharia um papel “detendo a força do Talibã no Afeganistão e perseguindo a Al-Qaida por todo o planeta”. De imediato, acrescenta que: “Durante gerações, os Estados Unidos da América têm desempenhado um papel singular como pilar da segurança mundial e como defensor da liberdade humana”. Essas frases são exemplos em que os leitores cubanos, latino-americanos, vietnamitas e muitos outros podem perceber sua veracidade. Depois dessa solene declaração de fé, Obama investe uma boa parte de seu tempo em falar de Kadafi, seus horrores e as razões pelas quais os Estados Unidos e seus aliados mais próximos, “Reino Unido, França, Canadá, Dinamarca, Noruega, Itália, Espanha, Grécia e Turquia – países que têm lutado junto conosco durante décadas [...], escolheram cumprir sua responsabilidade de defender o povo líbio”. Mais adiante, acrescenta: “...a Otan tomou o comando para impor o embargo de armas e a zona de exclusão aérea”. Confirma os objetivos da decisão. “Como resultado da transferência a uma coalizão mais ampla, centrada na Otan, o risco e o custo dessa operação – para nosso exército e para o contribuinte estadunidense – se reduziram significativamente”. “Para aqueles que duvidaram de nossa capacidade de concluir esta operação, quero deixar algo claro: os Estados Unidos fizeram o que disseram que fariam”.Voltam suas obsessões sobre Kadafi e as contradições que agitam sua mente: “Kadafi não abandou o poder e, enquanto não o fizer, a Líbia continuará sendo uma ameaça”. “Os Estados Unidos não podem empregar o exército onde quiser que haja repressão e, dados os riscos e o custo de uma intervenção, sempre devemos fazer um balanço entre nossos interesses e a necessidade de atuar”. “A tarefa que dei às nossas tropas (de) proteger o povo líbio [...] conta com o apoio internacional e está respaldada por um mandato das Nações Unidas”. As obsessões se reiteram por várias vezes. “Se tratássemos de derrotar Kadafi pela força, nossa coalizão se romperia. Teremos [...] que enviar tropas estadunidenses ao território para cumprir essa missão ou arriscarmos a possibilidade de matar muitos civis com os ataques aéreos”. “Temos esperanças no futuro do Iraque, mas a mudança do regime na região levou oito anos e custou milhares de vidas estadunidenses e iraquianas e quase três milhões de milhões de dólares”. Dias após o início dos bombardeios da Otan, começou a ser divulgada uma notícia de que um caça-bombardeio norte-americano havia sido derrubado. Depois, foi comprovado por alguma fonte que isso havia ocorrido de fato. Alguns camponeses, ao observar um paraquedas descer, fizeram o que por tradição se faz na América Latina: foram ver e, se alguém precisa de ajuda, auxiliam. Porém, ninguém poderia saber como pensavam. Com certeza, eram muçulmanos, estavam trabalhando na terra e não podiam ser partidários dos bombardeios. Um helicóptero que apareceu repentinamente para resgatar o piloto disparou contra os camponeses e feriu gravemente um deles e, por milagre, não matou a todos. Como todo o mundo conhece, os árabes, por tradição, são hospitaleiros com seus inimigos, os alojam em suas próprias casas e se colocam de costas para não ver o caminho que seguem. Por isso, um covarde ou um traidor não significaria nunca o espírito de uma classe social. Só a Obama poderia ocorrer a peregrina teoria que incluiu em seu discurso, como se pode observar no seguinte fragmento:“No entanto, haverá ocasiões em que nossa segurança não estará ameaçada diretamente, mas sim nossos interesses e valores. [...] Sabemos que os Estados Unidos, como a nação mais poderosa do mundo, pediram ajuda com frequência”. “Nesses casos, não devemos ter medo de atuar, porém o peso das ações não deve recair somente sobre os Estados Unidos. Como temos feito na Líbia, nossa tarefa é, então, mobilizar a comunidade internacional para empreender uma ação coletiva”. “Este é o tipo de liderança que temos mostrado na Líbia. Inclusive quando atuamos como parte de uma coalizão, os riscos de qualquer ação militar serão elevados. Esses riscos foram percebidos quando um dos novos aviões apresentou uma falha enquanto sobrevoava a Líbia. E ainda quando um dos nossos aviadores se lançou de paraquedas, em um país cujo líder tem satanizado com tanta frequência os Estados Unidos, em uma região que tem uma história tão difícil com o nosso país, este estadunidense não encontrou inimigos. No lugar dele, foi recebido por pessoas que o acolheram em seus braços. Um jovem líbio que veio em sua ajuda, afirmou: 'somos seus amigos. Estamos agradecidos por esses homens estarem protegendo os céus'”. “Esta voz é somente uma entre muitas em uma região onde a nova geração se opõe à contínua negação de seus direitos e oportunidades”. “Ainda assim, essa mudança provocará um mundo mais complicado durante um tempo. O progresso será desigual e as mudanças chegarão de uma maneira muito distinta a diferentes países. Existem lugares, como o Egito, onde essa mudança nos inspirará e despertará nossas esperanças”. Todo o mundo sabe que Hosni Mubarak foi aliado dos Estados Unidos, e quando Obama visitou a Universidade do Cairo, em junho de 2009, não podia ignorar as décadas em que milhões de dólares foram roubados por ele no Egito. Seguiu com o relato emotivo: “...acolhemos com aprovação o fato de que a história esteja em constante mudança no Oriente Médio e no norte da África, e que os jovens estejam na vanguarda. Porque em qualquer lugar que as pessoas sonhem em ser livres encontrarão um amigo nos Estados Unidos. Com o tempo, essa fé e esses ideais se mostrarão como verdadeiro indicador da liderança estadunidense”. “...nossa força no exterior se sustenta em nossa força nacional. Essa sempre deve ser nossa estrela polar, a capacidade de nosso povo de alcançar seu potencial, adotar decisões inteligentes com nossos recursos, incrementar a prosperidade que atua como fonte de nosso poder e levantar os valores que apreciamos tanto”. “Observemos o futuro com confiança e esperança, não apenas em nosso próprio país, mas também em todos aqueles que têm desejo de liberdade em todo o mundo”. A espetacular história me faz relembrar o Tea Party, o senador Bob Menéndez e a ilustre Ileana Ros, loba feroz que desafiava as leis para manter sequestrado o menino cubano Elián González. Hoje, ela é nada menos que chefe do Comitê de Relações Exteriores da Câmara de Representantes dos Estados Unidos. Kadafi não se cansa de repetir que a Al-Qaida faz uma guerra e envia combatentes contra o governo da Líbia, porque ele apoiou a guerra antiterrorista de Bush.Aquela organização teve no passado excelentes relações com os serviços de inteligência norte-americanos na luta contra os soviéticos no Afeganistão e possui larga experiência sobre os métodos de trabalho da CIA. O que ocorrerá se as denúncias de Kadafi estiverem certas? Como Obama explicaria ao povo norte-americano que uma parte das armas de combate terrestre cairão nas mãos de homens de Osama Bin Laden? Não teria sido melhor e mais inteligente ter lutado para promover a paz e não a guerra na Líbia?

Fidel Castro


Fonte: CubaDebate Tradução da Redação do Vermelho